12/02/2024
Ovelheiro Gaúcho: Um Legado da Influência Britânica nos Pampas Sul-americanos.
Daniel M.
Durante o século XIX, a expansão lanífera na Argentina e no Uruguai apresentou paralelos intrigantes com a Revolução Industrial na Grã-Bretanha. Assim como a revolução transformou radicalmente a produção e a economia na Inglaterra, a expansão lanífera alterou profundamente a paisagem econômica dos países sul-americanos. Enquanto a Grã-Bretanha se tornava o epicentro da industrialização, exportando sua expertise e capital para outras regiões, a Argentina e o Uruguai tornavam-se importantes produtores de lã, impulsionados pela crescente demanda global.
A migração britânica desempenhou um papel crucial nesse processo. Assim como os trabalhadores britânicos migraram para as cidades industriais em busca de oportunidades durante a Revolução Industrial, os investidores e empresários britânicos buscaram novas terras e recursos na América do Sul. Eles trouxeram consigo não apenas capital, mas também tecnologia e conhecimento, contribuindo para modernizar as práticas agrícolas e estabelecer grandes estâncias laníferas.
No entanto, essa migração não foi um ‘mar de rosas”. Eduardo Galeano, em sua obra "As Veias Abertas da América Latina", destaca a complexidade das relações entre os migrantes britânicos e as comunidades locais. Ele descreve como esses colonizadores, muitas vezes chamados de "piratas ingleses", impuseram sua vontade sobre as terras e as pessoas nativas, explorando os recursos naturais em benefício próprio e perpetuando desigualdades sociais.
O trecho de Galeano ecoa as tensões subjacentes à influência britânica na Argentina e no Uruguai durante a expansão lanífera. Enquanto os investimentos e tecnologias britânicas impulsionaram o crescimento econômico, também perpetuaram relações desiguais e injustiças sociais. A presença britânica deixou um legado complexo, moldando não apenas a economia, mas também a cultura e a sociedade desses países sul-americanos.
O Ovelheiro Gaúcho, uma figura marcante nas vastas extensões do Rio Grande do Sul, tem suas raízes profundamente entrelaçadas com a história da migração britânica para a Argentina e Uruguai, especificamente nas regiões de Pampa. O surgimento desse cão pastoral está diretamente ligado aos Scotch Collies das terras Altas da Escócia, mantendo até hoje sua essência e ancestralidade collie.
O Ovelheiro é uma mistura das mais variadas linhagens de cão collie (Pastor Escocês, Pastor Inglês, Pastor de Shetland, etc), vindos principalmente com imigrantes escoceses, ingleses e irlandeses, povos que fundaram estâncias importantes na produção lanífera da Argentina pós-independência, tornando a região uma potência global na criação de ovinos.
A rota migratória britânica para a América do Sul, no século XIX, foi marcada pela expressiva presença de criadores de ovelhas, que buscavam nas extensas pastagens dos pampas o local ideal para suas criações. Junto com esses criadores vieram os cães, em particular os pastores escoceses, que já eram conhecidos em toda a Grã-Bretanha. Esses cães, que se tornaram grandes aliados para os peões dos pampas sul-americanos, através da migração em massa de escoceses e irlandeses, também se preservou nas pequenas fazendas norte americanas e hoje é conhecido por Old time Scotch Collie nos EUA.
O comércio entre a região pampeana e os centros urbanos era intenso, e no início do século XX, o Collie de fazenda escocês já estava registrado em terras brasileiras, trazido por tropeiros e comerciantes que percorriam o Pampa, trazendo novidades de Buenos Aires, Rosário e Santa Fé. Já era nomeado. Era o Ovelheiro.
A a presença de cruzamentos com cães de gado ibéricos é fato. Tais cães, que eram responsáveis pelo pastoreio na época pré-imperialista da Inglaterra sobre o cone sul, quando ainda regia a lei colonial de Portugal e Espanha, foram substituídos, ou incorporados, pelos pastores britânicos, representando até 8% de um exemplar de ovelheiro segundo exames genéticos.
Já na segunda metade do Século XX o Ovelheiro recebe mais uma carga genética. O Border Collie moderno e o Rough Collie tornam-se fenômenos globais, chegam ao Pampa, e se inserem com força em algumas linhagens de ovelheiros. O Pastor Alemão também torna-se muito popular neste século e também entra nessa mistura.
Portanto, o Ovelheiro Gaúcho é um cão tipicamente pampeano em sua extensão territorial, sendo encontrado no Brasil, Argentina e Uruguai.
Após o fenômeno global da "Lassie" e do Border Collie moderno, alguns exemplares do Ovelheiro Gaúcho, principalmente nos países vizinhos, se perderam ou se fundiram com tais raças, mas o tronco genético do antigo collie escocês foi conservado graças ao trabalho incansável nas estâncias do Rio Grande do Sul. A preservação desse importante patrimônio genético é um testemunho da ligação profunda entre a cultura gaúcha e seus animais de trabalho.
No entanto, é importante reconhecer que a verdadeira origem do Ovelheiro Gaúcho é majoritariamente argentina, notoriamente, levando em conta a íntima história entre o país portenho e a Inglaterra imperialista. As inúmeras colônias agrícolas fundadas por escoceses e estancias fundadas por proprietários de tecelagens na Inglaterra já ilustram bem essa relação.
O comércio tropeiro dos mascates desempenhou um papel crucial ao trazer esses cães, junto com outros animais e mercadorias britânicas, que chegavam livremente através do Porto de Buenos Aires, graças a medidas liberais adotadas pelos governos da época.
Hoje vivemos ainda a onda do fenômeno global chamado Border Collie, e as linhagens de Ovelheiro são frequentemente confundidas com esta raça.
Cabe a cada um de nós, amantes do Ovelheiro, INFORMAR, conservar, melhorar, e aperfeiçoar a seu gosto e necessidade, sem esquecer da amplitude do cão Ovelheiro, e da história que essas linhagens carregam.