02/03/2016
Matéria Publicada no jornal noticias do Dia.
Atendimento realizado pela VETERINARIA CAPOEIRAS E VIDA ANIMAL (Santo Amaro)
Eliane Aparecida da Luz Ferreira fazia pães quando o telefone tocou: “Balearam a Bolina”, avisava Denise Silva, vizinha de portão. Eliana deixou o forno ligado e correu o mais rápido que pôde. Quando se aproximava da entrada da rua 12 de Julho, no bairro Monte Cristo, na Capital, viu estacionada a viatura 3037 – veículo do 22° BPM (Batalhão da Polícia Militar). Aproximou-se e perguntou ao soldado, que conhece como Amarildo, o motivo da agressão. “Foi legítima defesa, ele respondeu rindo. Nunca irei esquecer essa imagem”, conta Eliane. No mesmo dia, a vira-lata Chitara foi morta por PMs, no bairro Ilha Continente, com um tiro de ponto 40 na cabeça. Sindicâncias apuraram os casos.
Às 15h30 de quarta-feira, Eliana pôs a vira-lata no colo, com sangue jorrando, foi até a rua Egídio Ferreira, parou o carro de um desconhecido e implorou carona. A dona da padaria onde trabalha contribuiu com R$ 10 para a gasolina. No caminho, Bolina fez xixi na agonia da dor e desmaiou, em silêncio.
Na primeira clínica particular o motorista parou. Eliana desceu com o bicho que considera como filha, explicou a situação e saiu atrás de R$ 166 emprestados – valor da taxa de internação – que terá que devolver neste sábado. “Achei que ela não ia aguentar, teve um ataque, perdeu muito sangue. Os ossos estavam esfarelados, mas mesmo naquele nível de dor foi fácil mexer nela. É extremamente dócil”, disse a veterinária Viviane Gallotti.
Bolina resistiu à cirurgia de cinco horas. Está com seis pinos na pata. E Eliane, que recebe R$ 690 por mês de salário, ficou com uma dívida de R$ 795 na clínica, além da necessidade de construir um canil improvisado, para que Zaraque, com três meses, não comprometa a recuperação de Bolina na ânsia por carinho materno.
“Quando ele (o soldado) chegou a Bolina estava presa, com coleira, dentro da casinha, como sempre”, lembra Denise. O tenente-coronel Mauro da Silveira, do 22° BPM, não quis expor o soldado Amarildo à imprensa e relatou que “se for comprovado algum excesso haverá responsabilização”. Assim como Chitara, o caso de Bolina foi registrado na PM como “legítima defesa por ataque de pit bulls”. Ambas são vira-latas.
Major admite despreparo para situações com animais
Diante de uma situação delicada como a morte de animais em incursões policiais, o major Claudionir Sousa, comandante da Companhia de Policiamento com Cães, é firme em dizer que a guarda do animal é de responsabilidade do proprietário. “E se for cão de guarda precisa usar focinheiras em locais públicos”, completa.
Os cães de guarda, de acordo com portaria nº 026/2005 que trata sobre ocorrências provocadas por cães em locais públicos, são os das raças akita, boxer, pastor alemão entre outros. “Pit bull não é reconhecido como cão de guarda pela Federação Cinológica Internacional (FCI), porém na prática é tido mundialmente como se de guarda fosse, em razão de seu comportamento equilibrado, porém agressivo”, diz o documento. Chitara era, segundo policiais participantes da ação que acabou na morte da cachorra, uma pit bull. O proprietário Fabiano Rodrigues afirma que era uma vira-lata.
O major defende o posicionamento dos policiais, que disseram agir em defesa própria, mas admite que não são preparados para situações como essas. “Eles não têm o conhecimento técnico para saber se o comportamento do cão é agressivo ou está só defendendo seu território”, afirma ele, comparando-os aos policiais da Companhia de Policiamento com Cães, que fizeram curso para compreender o animal e têm lições na prática diariamente.
Segundo o Major Alessandro Marques, da Comunicação Social da Polícia Militar, não há estatísticas sobre casos de cães alvejados pela Polícia ou de policiais atacados por cães, por serem pontuais. Mas ressalta que situações contrárias ocorrem na corporação, como resgate de animais abandonados e de prisão de pessoas por maus tratos. (Letícia Kapper)
Zaru sobreviveu a tiro de fuzil
Fany, Chitara e Zaru. Três cachorros vítimas do abuso policial. Zaru não foi morto e é um caso mais antigo, que não ganhou a mídia como outros que ficam no anonimato. Há quatro anos, Zaru foi atendido no Centro de Controle de Zoonoses da Capital depois de receber um tiro de fuzil na face. O cachorro teria sido atingido durante incursão policial no Morro do Quilombo, no bairro Itacorubi, segundo seu dono.
Hoje, com oito anos, ele é o xodó de quem acompanhou sua história, como Dalva Schmengler, auxiliar administrativa do Centro de Zoonoses, que atualmente abriga no canil 120 cães, todos vítimas de maus tratos. “Ele ficou um mês em tratamento com antibiótico e anti-inflamatório e agora usa medicação continua e tem alimentação controlada”, conta ela, lembrando que o animal foi diagnosticado convulsivo e sofreu um derrame depois do incidente. (Letícia Kapper)