Fazenda São Bernardino
Autor da Pesquisa: Nelson Ar**ha
HISTÓRICO
Considerado um dos mais belos e completos exemplares de fazenda colonial
no Rio de Janeiro (embora não seja tão antiga – data da segunda metade do século
XIX), a Fazenda São Bernardino reunia em seu conjunto arquitetônico todos os
detalhes que a fizeram ser tombada, por solicitação do prefeito Ricardo Xavier da
Silveira, como pat
rimônio artístico e histórico pelo SPHAN, em 26 de fevereiro de
1951. Localizada dentro do território da Vila de Iguaçu, a mais próspera da
Província do Rio de Janeiro, a Fazenda São Bernardino é fruto indireto das
atividades econômicas de sucesso e da fortuna do Comendador Soares
(considerado, por sua forte influência política na Província, o restaurador da Vila de
Iguaçu, vindo a ser presidente de sua Câmara Municipal diversas vezes), através de
uma de suas sociedades, uma firma comercial com Jacinto Manoel de Souza e
Melo. Uma das filhas do comendador – Cipriana Maria Soares – foi casada com um
sobrinho de Jacinto Melo (Bernardino José de Souza e Melo, fundador da Fazenda
São Bernardino) que passa a ser sócio do sogro em vários outros negócios de
sucesso. Tendo suas terras sido adquiridas a partir da década de 1860 (embora o
Comendador já possuísse o sítio Cachimbau a mais tempo), a Fazenda São
Bernardino era servida pela extinta Estrada de Ferro Rio D’Ouro que lhe cortava as
terras na altura do citado sítio – havia uma parada em frente à fazenda e que era
acessada através da alameda de palmeiras imperiais, das quais, parte ainda
subsiste. Acredita-se que o planejamento e a construção da fazenda tenham sido
iniciados na mesma década, tendo sua conclusão e inauguração em 1875. A segunda metade do século XIX foi um tempo de muitas e rápidas
mudanças, em todos aspectos: político, econômico, social etc; a inauguração das
vias férreas e o deslocamento do eixo econômico, as transferências da Matriz
Paroquial e da Câmara Municipal para o Arraial de Maxambomba (atendido pela
ferrovia), as febres, Lei dos Sexagenários, Lei do Ventre Livre e Abolição da
Escravatura, Proclamação da República, entre outros. À Vila de Iguaçu era
decretado o fim; a Fazenda São Bernardino, que estava compreendida dentro do
seu território, perdia sua importância e passava a ser casa de campo e caça, já que
sua produção não objetivava de todo fins comerciais, e sim, a produção de sustento
da própria fazenda e das casas dos parentes dos proprietários, na então Vila de
Iguaçu. A fazenda, pouco usada, mas ainda em bom estado, foi vendida aos sócios
João Julião e Giácomo Gavazzi pelos herdeiros de Bernardino, em 1917. Gavazzi
não a utilizou como residência e, sim, com fins de implantação de suas atividades
econômicas – inicialmente a citricultura; assim promoveu violento corte nas florestas
existentes na área, abriu uma estrada para passagem dos caminhões de lenha
prejudicando, dessa forma, as bases de pedra e cal das cocheiras e abatendo
algumas das palmeiras imperiais. Em janeiro de 1940 o prefeito de Nova Iguaçu,
Ricardo Xavier da Silveira, oficia ao SPHAN solicitando o tombamento da Fazenda
São Bernardino. Segundo Waldick Pereira, o próprioGavazzi saqueou e vendeu quase tudo que havia no conjunto. Em meados da
década de 1980 ocorre o golpe final da história da São Bernardino: um incêndio
suspeito terminou por arruinar o pouco que restara da fazenda, que já havia sido
saqueada e abandonada aos rigores do tempo e do clima. CRONOLOGIA
13/10/1861 – A firma Soares & Melo, como cessionária da viúva Moreira (de Luiz
Manoel Bastos), José Joaquim Gonçalves, Manoel José Ferreira, Manoel de Moura
Alves e Barão do Guandu (credores de José Frutuoso Rangel, inventariante de sua
mulher, Antônia de Moura Rangel), adquire terras do citado inventariante, após o
pagamento das dívidas do casal. Tratava-se de um sítio de floresta, em terras
próprias, com trezentas e oitenta e sete braças e sete palmos, mais ou menos, com
todas as benfeitorias e onze escravos, pelo valor de três contos de réis. Tudo
registrado no cartório do tabelião José Manoel Caetano dos Santos (processo n°
2.252, existente no Cartório do 1° Ofício de Nova Iguaçu). O sítio é comprado
posteriormente por Bernardino José de Souza e Melo por dois contos de réis.
03/06/1862 – Bernardino José de Souza e Melo adquire o sítio Bananal (vizinho ao
sítio Cachimbau, do Comendador Francisco José Soares) que era de propriedade
de Francisco de Paula e Silva e sua mulher, Maria Maciel Rangel da Silva. Este sítio
media 434 braças de testada e 603 de fundos, confrontando-se ao norte com o de
José Gonçalves Bastos, ao sul com o de José Frutuoso Rangel, nos fundos com o
dos herdeiros do Capitão Joaquim mariano de Moura e na frente com o de
Fortunato José Pereira. O citado sítio estava hipotecado a Francisco José Soares e
Luísa Joaquina da Costa Neves que abriram mão da hipoteca em favor de
Bernardino José de Souza e Melo. Os dois sítios são anexados e formam o primeiro
núcleo territorial para compor as terras da futura Fazenda São Bernardino.
1862 – Acredita-se que neste ano tenha sido planejada a construção da fazenda.
1875 – Neste ano, conforme inscrição outrora existente na fachada principal da
Casa Grande, teria sido concluída a sua construção e inaugurada a fazenda,
conforme constava, até 1976, na placa fixada na fachada do prédio.
1917 – Os sócios João Julião e Giácomo Gavazzi compram a Fazenda São
Bernardino do Coronel Alberto de Melo, herdeiro de Bernardino. Janeiro de 1940 – Por ocasião do aniversário do Município de Nova Iguaçu, o
prefeito Ricardo Xavier da Silveira encaminhava ao diretor do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, ofício solicitando a preservação da Fazenda São Bernardino.
26/02/1951 – A Fazenda São Bernardino recebe o tombamento solicitado pelo
prefeito Ricardo Xavier da Silveira, ficando registrada, no SPHAN, sob o número de
inscrição 390, do Processo 432-T, do Livro “Belas Artes”, às folhas 76. Julho de 1965 – O historiador Waldick Pereira, do Instituto Histórico e Geográfico
de Nova Iguaçu, visita a Fazenda São Bernardino e faz um levantamento do estado
da mesma e de seu patrimônio. Restavam algumas peças originais e outras da
época da compra: mobiliário, fogão de ferro (ainda em funcionamento), um grande
espelho oval na sala principal, candelabros e peças da capela, entre outras. Na
senzala e nas construções do engenho: bomba a v***r, peças de carruagens,
ferragens, polias, tonéis, um carro-de-boi e móveis quebrados.Julho de 1965 – Os arquitetos Alexander Nicolaeff e Fernando Abreu, do Instituto
dos Arquitetos do Brasil emitem um relatório descritivo a partir de sua visita à
fazenda.
1967 – A convite de Waldick Pereira, do IHGNI, o Coronel Alberto Soares de Souza
e Melo e Bernardino José de Souza e Melo Júnior, herdeiros de Bernardino José de
Souza e Melo, construtor da fazenda, visitam-na, constatando o estado em que se
encontrava a mesma e, ao mesmo tempo, indicando nas benfeitorias onde se
localizavam os objetos, dependências e como eram desenvolvidas as atividades do
dia-a-dia.
8/12/1975 – O Decreto n° 1459 dava provisão à desapropriação da fazenda com fins
de preservação e criação de um “Parque de Múltiplo Uso”.
30/12/1975 – A Lei n° 50 dispondo sobre o “Uso e Ocupação do Solo/Zoneamento”
inclui a região de “Iguaçu Velha” e “Fazenda São Bernardino” na “Zona
Turístico-Cultural” do município.
23/04/1976 – O Decreto 1520 ratifica o de n° 1459 e desapropria a fazenda de
Giácomo Gavazzi, seus herdeiros ou sucessores.
02, 03 e 04 de abril de 1976 – Realiza-se em Nova Iguaçu um “Encontro Regional
de Patrimônio Histórico e Artístico”, promovido pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural (do Departamento de Cultura da Secretaria de Estado de Educação e
Cultura). O debate foi pontuado por dois principais aspectos: “conceito de
restauração” e “propostas para a utilização da fazenda”.
06/07/1976 – A Portaria Municipal n° 4 constitui uma comissão para providenciar o
levantamento dos bens da fazenda. Constou no relatório desta comissão terem sido
encontrados apenas os seguintes bens, além dos prédios do engenho e demais
dependências do plano inferior: uma “máquina a v***r”, “um tonel” e “um
carro-de-boi”. Dezembro de 1977 – A Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana
(FUNDREM) contrata os serviços do escritório técnico da firma “Júlio Diniz Pinheiro
e Carlos Alberto de Souza Arquitetos Associados Sociedade Civil Ltda”, para a
elaboração do “Projeto de Restauração Arquitetônica” do conjunto “Engenho e
Senzala”. Foram realizadas escavações, coletados restos de ferragens empregadas
na construção (cravos, fechadura e espelho, corrente, dobradiça, parafusos), capina
e remoção de entulho (resultado do desabamento de grande parte do telheiro, do
madeirame e de paredes). Os espaços arquitetônicos e a multiplicidade de serviços
foram revelados pela prospecção e através de fotografias antigas
Meados da década de 1980 – Um incêndio terminou por arruinar o pouco que
restara da fazenda, que já havia sido saqueada e abandonada, sem que tenham
sido tomadas as providências necessárias e prometidas a tão importante bem, nem
pela municipalidade que não possuía recursos para tanto, nem pelo governo federal,
que havia se comprometido no projeto. DESCRIÇÃO PATRIMONIAL
Casa Grande – Construída sobre um promontório que dominava a região, tinha asparedes externas originalmente pintadas na cor amarelo-creme. Portões, janelas,
portas e guarnições pintadas de verde-escuro. As paredes internas “caiadas de
branco” (conforme inscrição datada de 1887, encontrada em uma das dependências
do engenho em 1977). As telhas e tijolos foram fabricados nas olarias próximas. Escada dupla na entrada principal com gradil e pálio em folha de cobre. Janelas
com folhas divididas com rico desenho de vidraçaria colorida. Beiral de telhas de
louça azul. Internamente forrada em fino trabalho de estuque. O piso e a escada
internos em madeira. À época da compra da fazenda restavam algumas peças
originais e outras de período posterior, tais como: mobiliário, fogão de ferro (ainda
em funcionamento), um grande espelho oval na sala principal, candelabros e peças
da capela, entre outras. Engenhos (Casa de Farinha, Alambique, Engenho de açúcar), e Senzalas (dos
escravos da Casa Grande e dos escravos com outras funções) – em nível
inferior e junto à estrada de acesso à Tinguá. Casas do Engenho montadas em
sólidos alicerces de pedra e cal, com paredes edificadas com tijolões bem cozidos
onde funcionavam os maquinismos (máquina a v***r, moenda, bases das
engrenagens que movimentavam as polias da Casa de Farinha) necessários para o
fabrico de aguardente, farinha, polvilho, tapioca, açúcar, café e fubá, ou seja, o
Moinho de Fubá, a Prensa de Mandioca, Forno, Tanques, etc. Todas essas
dependências ligadas à Casa Grande, no plano superior, pela Beira e por uma
escadaria. Fora do corpo da Casa do Engenho, e entre esta e o início do pomar, um
grande poço para lavagem das canas sujas de lama, para uso nas hortas e no
pomar, etc. A poucos metros do Engenho, no sopé de um monte, cercada e coberta
por tijolos, havia uma nascente de água potável que era coletada pelos escravos
para as atividades da fazenda. Isto, antes da captação das águas da represa de
Tinguá, cujos encanamentos passavam paralelamente à ferrovia, em frente à
fazenda. De tudo que era fabricado, apenas o polvilho e a aguardente eram
produzidos com objetivos comerciais; o restante servia ao consumo interno e de
parentes instalados na Vila de Iguaçu. O Engenho produzia 2000 litros de
aguardente por ano, segundo informações do Coronel Alberto de Melo, válidas para
o ano de 1917.
1 – Alambiques
2 – Base das engrenagens (que movimentavam as polias da Casa de farinha)
3 – Beira
4 – Bomba a V***r
5 – Caldeira
6 – Carpintaria
7 – Carro-de-boi
8 – Casa de Farinha
9 – Casa do feitor
10 – Cocheiras
11 – Córrego (nascia no pomar, corria ao longo do casario recolhendo as sujidades
e desaguando no riacho Cachimbau)
12 – Depósitos de água
13 – Depósito de bagaço
14 – Depósito de lenha
15 – Depósito de cana e Picadeiro
16 – Depósito de produtos químicos (nos fundos da casa de máquinas) usados no
fabrico do açúcar
17 – Destilaria
18 – Entrada para descarga de lenha e de cana
19 – Espaços para o purgo e o soque do café20 – Ferraria, Ferragens e Polias
21 – Fornalhas
22 – Forno
23 – Forno para tachas
24 – Garagem e Guarda de arreios
25 – Guarda de vasilhames e peças sobressalentes
26 – Moenda
27 – Moinho de Fubá
28 – Peças de Carruagens
29 – Plataforma de desembarque de cana
30 – Poço
31 – Pomar
32 – Prensa de Mandioca
33 – Tanques e Tonéis
34 – Tulhas
Renque de Palmeiras Imperiais – marcando a ligação entre o conjunto e a estação
da estrada de ferro. BIBLIOGRAFIA
Fontes de Consulta:
1 – Relatório da FUNDREM (Fundação para o Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro) de 1977.
2 – Entrevistas com os dois últimos proprietários da Fazenda São Bernardino (em
1967, Waldick Pereira entrevista Alberto Soares de Souza e Mello; em 1968 Ney
Alberto Gonçalves de Barros entrevista Giácomo Gavazzi, último proprietário). Documentação existente nos arquivos do IHGNI.
3 – Correspondências e anotações – cópias nos arquivos do IHGNI.
4 – PINTO, Alfredo Moreira. Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1894.
5 – ANÔNIMO. Traços Biográficos do Comendador Francisco José Soares. Tipografia Comercial, Rio de Janeiro, 1874.
6 – FORTE, José Mattoso Maia. Memória da Fundação de Iguaçu. Tipografia do
Jornal do Commércio Rodrigues e Cia. Rio de Janeiro, 1933.
7 – PEIXOTO, Ruy Afrânio. Tipografia do Colégio Afrânio
Peixoto. Nova Iguaçu, 1968.
8 – FAIRBANKS, George Eduardo. Observações Sobre o Comércio do Açúcar e o
Estado Presente Desta Indústria em Vários Países Acompanhadas de Instruções
práticas Sobre a Cultura da Cana e o Fabrico dos Seus Produtos. Tipografia C. Mercantil de R. Lessa e Cia. Bahia, 1847.
9 – GERSON, Brasil. O Ouro, o Café e o Rio. Livraria Brasiliana Editora. Rio deJaneiro, 1970.
10 – SANTOS, Noronha. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1934.
11 – SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem Pelas Províncias do Rio de Janeiro e
Minas Gerais 1816-1822. Editora Itatiaia, Edusp. Belo Horizonte, São Paulo, 1975.
12 – PEREIRA, Waldick. Cana, Café e Laranja – História Econômica de Nova
Iguaçu. Fundação Getúlio Vargas, SEEC, Instituto Estadual do Livro. Rio de Janeiro,
1977.