23/04/2024
Fazenda do Paraíso
Há cerca de cinquenta anos, surgiu uma versão romântica sobre a libertação dos escravos da Fazenda Paraíso. Dizem alguns que a lenda nasceu da pena de um professor leopoldinense que a teria ouvido de antigos moradores da cidade. Parece que desde então vem sendo repetida por diversos escritores sem que, aparentemente, tenham buscado avaliar a (in)coerência dos fatos.
Um dos “parágrafos” da lenda cita uma hipotética doação da propriedade para José Jerônimo de Mesquita, feita por seu avô como presente de casamento. Nada mais insustentável à vista da documentação que compõe a Coleção Kenneth Light, pertencente ao Arquivo Histórico do Museu Imperial, Petrópolis (RJ). Importante esclarecer que o organizador da Coleção foi o memorialista Kenneth Ernest Hansen Light, autor da monografia Ligeiros Traços Biográficos, que também faz parte da Coleção. O Senhor Light era inglês e faleceu em Petrópolis em 1987. Era casado com Stella Lynch, filha de Edmund Lionel Lynch e de Francisca de Paula de Mesquita, sendo esta a segunda filha de José Jerônimo de Mesquita.
Alguns dos repetidores da lenda sequer se deram ao trabalho de identif**ar adequadamente os personagens envolvidos, o que faremos aqui pela menção dos nomes completos e do mais alto título nobiliárquico alcançado por cada um, ainda que em data posterior ao fato relatado, porque a homonímia parcial sugere usar o título para melhor distingui-los.
José Francisco de Mesquita, elevado a Marquês de Bonfim em 1872, em um dos quatro consórcios maritais teve o filho Jerônimo José de Mesquita, elevado a Conde de Mesquita em 1885. Jerônimo José, em um de seus cinco consórcios maritais, teve o filho Jerônimo Roberto de Mesquita, Segundo Barão de Mesquita, e de outro consórcio teve o filho José Jerônimo de Mesquita, Segundo Barão de Bonfim.
Um texto sobre a família, que inclui a lenda e circula no território livre da internet desde 2007, dá os títulos de Segundo Barão de Mesquita e Segundo Barão de Bonfim para a mesma pessoa. O autor não observou que, além de serem filhos de mães diferentes, José Jerônimo nasceu em 1856 e Jerônimo Roberto em 1858.
Em outras versões, a lenda diz que o Marquês de Bonfim teria dado a Fazenda Paraíso de Presente para o Segundo Barão de Bonfim, confirmando que teria sido presente de casamento. Mas como, se o Marquês morreu em 1872 e o neto se casou apenas em 1879?
Para descredenciar ainda mais a versão romântica, a Fazenda Paraíso foi propriedade do Conde de Mesquita e não do Marquês de Bonfim, sendo que o Formal de Partilha dos bens do Conde de Mesquita só foi devidamente concluído em janeiro de 1889, quase dez anos após o casamento do Segundo Barão de Bonfim.
O futuro Conde de Mesquita tomou posse da Fazenda Paraíso por ela lhe ter sido hipotecada por seu então proprietário, Antônio José Monteiro de Barros. Segundo os documentos consultados, a dívida de Antônio José fora contraída antes de 23 de setembro de 1857, data de um segundo empréstimo para o qual foram hipotecados os escravos da propriedade. Em 1858, fazenda e escravos pertenciam ao então Comendador Mesquita.
Tendo iniciado a vida profissional como “caixeiro de terceira”, algo equivalente a menor aprendiz, o Conde de Mesquita tornou-se um dos grandes capitalistas do final do século XIX, em grande parte pela herança recebida de seu pai, o maior negociante de escravos para Minas Gerais segundo documentos constantes nos Códices 421 e 424 do Arquivo Nacional.
A análise do Formal de Partilha deste capitalista desmonta outra lenda: a de que todos os seus herdeiros teriam sido beneficiados com altas somas, joias e propriedades. Alguns de seus herdeiros nada receberam, nem tampouco as mães que ainda estavam vivas.
Outro aspecto, desconsiderado pelos criadores das diversas lendas sobre a Fazenda Paraíso, diz respeito à fantasia de que o Segundo Barão de Bonfim teria libertado seus escravos por magnanimidade. José Jerônimo não foi o inventariante de seu pai, pouco comparece nas chamadas descritas no inventário e foi sua irmã e inventariante quem decidiu libertar os escravos que ainda existiam na fazenda, poucos meses antes de maio de 1888. Diga-se, a propósito, que a decisão foi sugerida pelos advogados da família, provavelmente para evitar o pagamento dos tributos devidos na transmissão de bens, já que naquela altura todos esperavam pela assinatura da lei que encerraria oficialmente o regime escravocrata.
Para aqueles que gostam de uma boa novela, vai aqui mais uma informação. No testamento do Marquês de Bonfim, publicado no Jornal do Commercio um ano após a sua morte, consta que quatro filhos do Conde de Mesquita foram beneficiados. O Segundo Barão de Bonfim recebeu uma chácara na rua Hadock Lobo, Tijuca, Rio de Janeiro. Sabe-se lá por quais razões o criador da lenda trocou esta chácara pela Fazenda Paraíso.
(Texto de Nilza Cantoni - Publicado no jornal Leopoldinense)
Fazenda do Paraíso
Obs: A fazenda Permaneceu como propriedade de seus herdeiros até 1979 quando foi comprada por Ari Vasconcellos Cunha.
A Fazenda do Paraíso recentemente foi vendida e seu casarão ainda resiste, embora bem deteriorado pelo tempo.
Localiza-se a cerca de 8km da sede do município e chega-se a ela pela estrada para o distrito de Providência.