23/04/2024
Excelente texto que demostra a realidade da medicina veterinária em Portugal!
‘’Preços da medicina veterinária - o custo do que paga
Os preços da medicina veterinária aumentaram porque o valor social dos animais de companhia tornou inadmissível os erros decorrentes de se trabalhar com más práticas e maus equipamentos.
Sou médico veterinário e estou aqui para lhe falar de contas do seu animal. Sim, daquelas mesmo dolorosas, que são altas e surgem mais em tom de ultimato do que escolha: ou paga e trata, ou não paga e perde o seu companheiro não humano. Apesar de ser veterinário há mais de uma década, este é um tema que compreendo e me é familiar porque vivi os dois lados da moeda. Há cerca de 14 anos atrás quando estava na faculdade a minha cadela desenvolveu uma infeção no útero, uma doença de resolução urgente e de carácter cirúrgico. Estávamos em plena crise económica e enquanto família simplesmente não conseguíamos suportar o custo. A minha faculdade não operava sem o pagamento prévio da totalidade e os 3 ou 4 hospitais/clínicas a que fui pedir fiado de olhos aguados não atenderam ao meu drama. Com pouca dignidade e um rosto lacrimoso, na quinta ou sexta tentativa houve um veterinário que se compadeceu e aceitou baixar o preço e fazer duas prestações – salvou-me a cadela e deu-me uns bons anos com ela.
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Muitos anos volvidos, sou eu o médico veterinário e não serei eu a dizer-lhe que as contas são pequenas- não são. Uma doença urgente que envolva uma despesa de 1000 ou 2000 euros no seu tratamento (um diabético descompensado ou uma cirurgia ortopédica por exemplo) é um rombo importante no orçamento da classe média portuguesa. Se pensarmos que o ordenado médio português ronda os 1500 euros brutos, então é dizer a uma família que terá de investir praticamente um mês de trabalho no seu animal, muitas vezes sem que isso garanta que ele vai sobreviver. Nós veterinários compreendemos isso e estamos completamente alinhados com os tutores na motivação de não haver sofrimento para os animais, motivo pelo qual face à impossibilidade económica no tratamento de uma doença grave, a eutanásia é não só uma decisão aceitável como, muitas vezes, sensata.
Dito isto, vai um grande salto entre considerar que uma conta é elevada, para dizer que uma conta é injusta. Esta é uma distinção fundamental, na medida em que a primeira frase é uma constatação, mas a segunda torna-se um ataque ao trabalho dos médicos veterinários. Este é um salto de ignorância frequente, dado até por figuras da praça pública. Esta precipitação dá-se por dois desfasamentos da realidade: o primeiro é uma incapacidade de relacionar o preço com a qualidade do serviço e o segundo é por uma total ilusão da realidade laboral dos médicos veterinários.
Relativamente ao preço, a perceção é imediatamente enviesada pela comparação com os preços da medicina humana. De facto, tomamos a saúde tão por garantida que quando pagamos 5 euros por um raio x na saúde humana nos esquecemos que esse pequeno custo é já posterior ao valor investido pelo Estado na saúde, ou seja, 1400€ anuais pagos por cada membro da população portuguesa (2600€/ano por cabeça se considerarmos apenas a população ativa). Se compararmos os preços da medicina veterinária com os preços da medicina humana privada f**a óbvio que a veterinária é muito mais barata: em 2023 o preço médio de uma consulta veterinária hospitalar foi de 32€, uma consulta num hospital privado de humana custava cerca de 90€. Aqui é também fulcral perceber que a medicina veterinária paga 23% de IVA enquanto a saúde humana paga 0%. Contas feitas, na veterinária, 7 daqueles 32€ vão para o Estado enquanto na medicina humana aqueles 90€ são já livres de impostos. A forma mais exequível, rápida e justa de baixar os preços da veterinária não é vilipendiar a classe veterinária, é exigir que o fisco cobre à medicina veterinária o mesmo que cobra à medicina humana e dentária: 0% de IVA.
Para melhor compreendermos os custos da veterinária temos de perceber o que estamos a pagar. Falando em números redondos, por cada euro que gasta no veterinário 50 cêntimos são para pagar ordenados (não só dos veterinários, mas também dos auxiliares, enfermeiros, etc.). Sensivelmente 18 cêntimos vão para custos diretos de material (as seringas, vacinas, medicamentos, etc.), 22 cêntimos para custos indiretos (os impostos levam a fatia de leão, mas também rendas, seguros, etc.) e, por fim, 8 cêntimos são lucro líquido. Sim, leu bem, de acordo com a principal consultora veterinária portuguesa, a rentabilidade líquida média de um centro veterinário é de aproximadamente 8%, ou seja, por cada euro faturado a empresa tem um lucro líquido de 8 cêntimos.
Existe ainda um último fator que não posso deixar de fora por aumentar o valor dos cuidados da medicina veterinária e estar relacionado com a qualidade. Concordará o leitor que o valor social dos animais de companhia em Portugal tem vindo a aumentar, sendo atualmente exigido no seu tratamento e posse uma enorme responsabilidade. Hoje, a perda de um animal é muitas vezes verbalizada como a perda de um elemento familiar, havendo muito maior apego emocional e social aos animais do que há 15 ou 20 anos. Os tutores choram, enlutam, f**am transtornados ao ponto de pedirem baixas médicas e, quando acham que houve negligência, fazem difamações e movem processos legais. Do outro lado, está um veterinário que valoriza tanto os animais que os designou como recetor do seu estudo e trabalho e que, portanto, também sente a pressão de trabalhar com um bem social precioso.’’